Mais do que uma questão moral, casas de prostituição se inserem em um contexto jurídico complexo que exige respeito às garantias fundamentais. Um exemplo paradigmático desse debate foi protagonizado pelo desembargador Alexandre Victor de Carvalho, relator da revisão criminal nº 1.0000.11.013706-4/000, julgada no Tribunal de Justiça de Minas Gerais. O caso envolveu a senhora, que buscava reverter condenação pelos crimes de favorecimento e manutenção de casa de prostituição.
A decisão vai além da simples aplicação da letra fria da lei. O desembargador invocou uma interpretação conforme à Constituição, afastando os artigos 228 e 229 do Código Penal por entender que não se pode punir condutas que não representem ofensa concreta à ordem social ou ao bem jurídico tutelado. Leia mais abaixo:
Casa de prostituição e a crítica à tipicidade penal: argumentos do desembargador
Desde o início de seu voto, o desembargador Alexandre Victor de Carvalho deixou claro que não se pode aplicar o Direito Penal de maneira automática e moralista. Ele sustentou que a existência formal da norma não garante sua legitimidade material. Segundo sua interpretação, o Estado Constitucional exige que o Direito Penal só incida sobre condutas realmente lesivas, ou seja, que atentem contra bens jurídicos essenciais à convivência social, como a vida, a liberdade e o patrimônio.

Ainda segundo o desembargador, o Direito Penal moderno se guia pelos princípios da intervenção mínima e da adequação social. Ele cita autores como Francisco de Assis Toledo e Guilherme de Souza Nucci para sustentar que a norma penal não pode punir condutas socialmente aceitas. Manter uma casa de prostituição, ou, como é mais comum hoje, motéis, saunas e casas de massagem, não ofende diretamente a moral pública quando essa prática é amplamente conhecida, tolerada e até publicizada.
A insuficiência da condenação e a aplicação do princípio da intervenção mínima
Ao revisar a condenação, o desembargador Alexandre Victor de Carvalho questionou também a consistência das provas utilizadas no processo original. Segundo ele, a decisão condenatória se baseava mais em juízos morais do que em elementos materiais robustos. Nenhuma das testemunhas confirmou que a peticionária agia com dolo, tampouco se comprovou que ela impunha ou explorava a prostituição de terceiros. Havia apenas a constatação de que ela mantinha um ambiente destinado a encontros íntimos.
Nesse ponto, o desembargador reforçou que o papel do Direito Penal não é corrigir comportamentos considerados desviantes pela moral tradicional. Pelo contrário, ele deve ser reservado para situações de real e concreta agressão à ordem social. Caso contrário, corre-se o risco de um retrocesso autoritário, em que o Judiciário atua como “polícia de costumes”, punindo práticas individuais sob o manto da moralidade pública.
A repercussão da decisão e o avanço na jurisprudência garantista
A decisão do desembargador Alexandre Victor de Carvalho não apenas absolveu uma mulher injustamente condenada, como também firmou posição garantista que poderá servir de referência para casos semelhantes. Ao declarar a material atipicidade da conduta, ele sinalizou que o Judiciário não pode ser instrumento de repressão moral, especialmente quando as normas penais estão em desacordo com os valores atuais da sociedade.
Além disso, a decisão repercutiu positivamente entre juristas, advogados e defensores públicos, que há anos pleiteiam a revogação ou reinterpretação dos tipos penais ligados à moral sexual. O entendimento do desembargador contribui para o avanço de um Direito Penal mais justo, proporcional e centrado na proteção de bens jurídicos reais. Em sua fundamentação, ele também destacou a hipocrisia de manter em vigor normas penais que não são aplicadas de forma uniforme.
Conclui-se assim que, a revisão criminal julgada pelo desembargador Alexandre Victor de Carvalho representa um marco na aplicação consciente e garantista do Direito Penal. Ao absolver a ré condenada por manter casa de prostituição, ele reafirmou que o Judiciário deve atuar em sintonia com os princípios constitucionais e com a realidade social. O desembargador deixa, com esse julgamento, um importante legado jurisprudencial. Ele reafirmou o compromisso do Judiciário com a liberdade.
Autor: Mia Wilson